A SRA. CÉLIA XAKRIABÁ (Bloco/PSOL – MG. Sem revisão da oradora.) – Caro Deputado Presidente, todos poderiam estar desanimados às 10 horas da noite, mas o que é estar aqui às 10 horas da noite diante de 523 anos de luta e resistência? No Brasil, por muito tempo, ainda com a imagem colonizadora, muitas pessoas falavam que nós povos indígenas éramos preguiçosos. Mas esta Parlamentar percorreu 15 Estados brasileiros em 100 dias, esta Parlamentar está aqui com a nossa bancada, independentemente de lado, unificada, para aprovar esse projeto de lei. Nós precisamos reconstruir a história. Eu sempre estudei em escola indígena. Entrei na escola indígena em 1996, quando os primeiros professores indígenas assumiram aquela escola. Um dos professores perguntou: “O que você quer ser quando crescer?” Eu respondi que queria ser professora, e hoje, com muito orgulho, sou professora de cultura. Uma professora ficou constrangida e perguntou ao Seu Valdinho, que era um doutor do cerrado e conhecia as plantas medicinais como ninguém: “Se o senhor tivesse oportunidade de ir para a escola, o que o senhor queria ser?” Ele respondeu: “Eu queria ter um enxada bem amolada para plantar para esse bando de doutor”. Nesta noite, nós podemos não estar com a mão na enxada, mas temos o compromisso de segurar a caneta para reconstruir e para não reproduzir a violência histórica. Para construir um Brasil do futuro, não podemos reproduzir o que se passou. Então, esse projeto de lei aqui lido pela nossa Relatora busca a reconstrução histórica do País e a possibilidade da autonomia da nomeação das escolas indígenas, quilombolas e do campo. Isso não pode ser vedado. Hoje, de acordo com o censo do IBGE, há 1 milhão e trezentas pessoas quilombolas no Brasil, e está se chegando a quase 1 milhão e 700 indígenas. Perguntavam-me, quando entrei na escola indígena, quando eu ia escrever meu primeiro livro de antropologia. Eu sempre disse que, embora nunca tenha escrito meu primeiro livro de antropologia, o que nós fazemos é luta-leitura, o que nós fazemos é política-leitura. Depois de amanhã estarei me qualificando. Serei a primeira mulher indígena a estar em doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais. É com muito orgulho que me tornei Parlamentar para dizer que estamos aqui para pensar, neste momento, na reparação histórica. Muitas vezes falamos de trajetória, mas não consideramos a trágica história. Nós chegamos aqui para quilombolizar, para indigenizar e para camponizar. Quero agradecer à Frente Parlamentar Mista de Educação e agradecer à companheira Relatora por todo seu esforço. Estamos aqui para dizer que muitas vezes tentaram queimar nosso território, muitas vezes tentaram queimar o quilombo, mas aquela mesma mão que aprendeu a levantar o primeiro pote de barro, aquela mesma mão que aprendeu a escrever a primeira letra, fazendo pintura corporal, é a mesma mão que hoje, nesta noite, pode assinar o primeiro projeto de lei também feito por uma mulher indígena, no ano de 2023. Para concluir, quero dizer que chegamos aqui para indigenizar. Em 2021 a nossa escola foi queimada, mas aqui faremos a reconstrução do País, a partir da autonomia que vem também de uma proposta do norte de Minas Gerais, de escolas de povos e comunidades tradicionais. Estamos aqui nesta noite para, independentemente de lado, dizer que precisamos, sim, pensar a autonomia daqueles que começaram o Brasil. O Brasil começou por nós povos indígenas e pessoas quilombolas, povos e comunidades tradicionais.