O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva bloqueou recursos do Auxílio Gás e dois milhões de famílias podem ficar sem o benefício no fim do ano. A medida se soma a outra obstrução de verbas que atinge em cheio a base da gestão petista: a tesourada determinada na Esplanada dos Ministérios alcançou também a pasta da Educação, travando dinheiro previsto para a educação básica, alfabetização de crianças, transporte escolar e bolsas de estudo.
O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome bloqueou a liberação de R$ 262 milhões do Auxílio Gás, de acordo com levantamento feito pela Associação Contas Abertas com dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop). O programa paga o gás de cozinha para pessoas de baixa renda.
O valor contingenciado representa 14% do orçamento do programa (um total de R$ 1,8 bilhão) que ainda não foi liberado para os beneficiários. Todo o corte ficou em cima do Auxílio Gás, criado na gestão de Jair Bolsonaro. Nenhuma outra área foi atingida na pasta. O dinheiro das emendas parlamentares, por exemplo, foi poupado.
O ministério, comandado por Wellington Dias, admitiu que a decisão “poderia afetar o Auxílio Gás, mas apenas em dezembro” e disse que colocou o bloqueio no programa porque não haveria prejuízos “neste momento”.
O ministério também afirmou que espera a liberação da verba travada até o fim do ano. Se isso não acontecer, se prepara para “remanejar recursos de outras ações orçamentárias”.
O governo efetuou o bloqueio porque apontou risco de furar o teto de gastos públicos, conduta que pode levar ao impeachment de um presidente da República. Mesmo com essa imposição, são os ministérios que definem quais ações ficarão sem dinheiro garantido. O recurso só é destravado se a situação financeira se resolver – o que não tem prazo para acontecer.
PANDEMIA
O Auxílio Gás foi criado em 2021, no meio da pandemia de Covid-19, para socorrer famílias que passaram a cozinhar com lenha e álcool porque não tinham dinheiro para comprar o gás. Na época, pessoas chegaram a ser hospitalizadas com queimaduras. O valor pago hoje é de R$ 110 a cada dois meses por família, com base no preço médio do botijão de 13 quilos no Brasil.
– Os bloqueios podem ser temporários ou definitivos, dependendo do comportamento das receitas e das despesas. O importante é que os bloqueios atinjam o supérfluo e não o essencial, de forma a preservar as políticas públicas prioritárias – afirmou o secretário executivo da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Três parcelas do benefício já foram pagas (fevereiro, abril e junho). As famílias ainda devem receber o auxílio nos meses de agosto, outubro e dezembro. Se o governo trabalhar com o valor que ficou disponível, o bloqueio representa 795 mil famílias a menos. Se atender o mesmo número de pessoas nas próximas duas parcelas, como prometeu, faltaria dinheiro para 2 milhões de beneficiários em dezembro.
Na Educação, conforme o levantamento da Contas Abertas, o corte soma R$ 332 milhões e mexeu em várias ações tocadas pela pasta: principalmente a educação básica (R$ 201 milhões), incluindo todo o recurso programado para o desenvolvimento da alfabetização (R$ 131 milhões) nessa área. O bloqueio ocorreu na mesma semana em que o governo lançou um programa de ensino em tempo integral. A decisão atraiu críticas e cobranças ao ministro da Educação, Camilo Santana.
Também foram atingidas verbas para a compra de veículos do transporte escolar (R$ 1 milhão) e bolsas de pesquisa no ensino superior (R$ 50 milhões). O bloqueio significa que o dinheiro só vai ser liberado se o governo verificar que não há risco de descumprir o teto de gastos. Na prática, as escolas ficam sem a garantia de receber todo o repasse esperado.
A decisão foi tomada por decreto no último dia 28. Na última terça-feira (1º), um dia depois de Lula sancionar o projeto da escola integral, o corte já estava feito no MEC.
– O ideal seria que os cortes ocorressem em despesas como passagens aéreas, diárias, locação de imóveis, nas férias de 60 dias do Judiciário, nos supersalários, na quantidade de assessores dos parlamentares e outras, mas esses cortes ou não têm escala suficiente para os ajustes necessários ou são tidos como inviáveis politicamente – destacou Castello Branco.
APOSTA
A escola em tempo integral é a principal aposta do Ministério da Educação atualmente, após o governo ter revogado o programa de escola cívico-militares. A pasta anunciou que pretende incluir 3,2 milhões de estudantes no plano até 2026. O bloqueio significa que as escolas ainda devem receber o dinheiro para o ensino integral, mas podem não ter todos os recursos que esperavam para outras despesas.
– A educação mais uma vez está com a corda no pescoço. Para que as plataformas de alfabetização e educação em tempo integral de fato sejam realidade, o orçamento precisa ser integral e recomposto. Não se sabe quando a situação vai ser equacionada e esse tipo de corte revela muito a prioridade que se dá – disse Alessandra Gotti, doutora em Direito Constitucional e presidente executiva do Instituto Articule.
Procurado pela reportagem, o ministério encaminhou uma entrevista dada pelo ministro Camilo Santana ao portal UOL na quarta-feira, 2. O chefe da pasta afirmou que o bloqueio não afeta o programa de ensino integral e espera mais recursos para a educação em 2024, com a aprovação do arcabouço fiscal. O MEC não respondeu, porém, como ficarão as áreas afetadas e como pretende recompor a verba.
EMENDAS
Dentro do bloqueio feito na Educação, o ministério optou por segurar a liberação de R$ 155 milhões em emendas de bancada, recursos indicados pelo conjunto de parlamentares de um mesmo Estado. Esse tipo de verba é de interesse direto dos deputados e senadores e é negociado com as bases eleitorais. O bloqueio mexe com 15 bancadas estaduais e acontece justamente no momento em que o presidente Lula negocia entregar mais ministérios e cargos para o Centrão em troca de apoio político no Congresso.
A decisão foi criticada pelo presidente da Comissão de Educação da Câmara, Moses Rodrigues (União-CE). Deputados preparam um pedido de convocação do ministro para explicar a situação. O assunto deve ser discutido pelos deputados na semana que vem.
– O que está no Orçamento já é o mínimo do mínimo e, quando você corta, traz um prejuízo muito grande para a educação. A nossa expectativa é que os recursos possam retornar – afirmou Rodrigues.
*AE
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